Março é conhecido como o "mês da mulher", e a gente não poderia deixar passar em branco a oportunidade de falar um pouco sobre as grandes mulheres da Astronomia, que deixaram um legado de conhecimento de valor imensurável, além de quebrarem duras barreiras para a grande participação e atuação das mulheres na ciência e na Astronomia nos dias de hoje.
Deixamos aqui então a nossa homenagem a todas elas, e para vocês, leitores, um panorama histórico e inspirador, dedicado especialmente a todas as mulheres que estão hoje escrevendo também a história da ciência.
Foi por volta de 1600 que os nomes das mulheres passaram a aparecer com certa
regularidade nos anais da astronomia. Muitas, à essa época, viveram à sombra de
familiares cientistas – pai, irmão ou cônjuge - a quem ajudavam em seus
trabalhos, colaboravam na redação, nos cálculos e nas classificações. Em geral,
prosseguiram as pesquisas e as tarefas dos seus “protetores” depois de suas
mortes, completando-as com paciência e precisão. Sua maior luta era para ter
acesso ao conhecimento. Precisaram vencer também o preconceito de que trabalho
científico não era da alçada de mulheres.
A verdade é que algumas características tidas como femininas - habilidade manual, dedicação, paciência e persistência – ajudaram-nas muito no trabalho científico.
A astrônoma dinamarquesa Sophie Brahe (1556?-1643) era assistente científica muito silenciosa e brilhante do seu irmão, o astrônomo Tycho Brahe (1546–1601). Sua atividade como astrônoma foi relatada pelo astrônomo francês Pierre Gassendi (1592–1655) em De Tychonis Brahei Vita:Tychonis Brahei Vita: "ela foi uma perita em matemática e astronomia, estudos aos quais se dedicou com grande entusiasmo".
A astrônoma silesiana Maria Cunitz (1604-1664), além de tradutora dos trabalhos de Kepler, dedicou-se à melhoria das tábuas astronômicas. Com a obra Urania propitia (Oels-Silesia, 1650), Cunitz conseguiu uma simplificação das Tábuas Rudolphianas de Kepler e ganhou uma enorme reputação na Europa. Além de aperfeiçoar as efemérides, encontrou uma solução mais elegante para o problema de Kepler.
A astrônoma polonesa Elizabeth Hevelius (1646-1693), segunda esposa do astrônomo alemão Johann Hevelius (1611-1687), publicou dois catálogos estelares importantes. Após o falecimento do marido, publicou Firmamentum Sobiescianum(1690), último catalogo e atlas com 56 folhas, realizado com base em observações feitas a olho nu, no qual foram traçadas sete novas constelações até hoje em uso.
A astrônoma alemã Maria Margareth Kirch ou Maria Margareth Winckelmann(1670-1720) aprendeu astronomia com o fazendeiro alemão
Christoph Arnold (1650-1695), um apaixonado pela pesquisa astronômica que, além
de ter descoberto o grande cometa de 1863, observou o trânsito de Mercúrio pelo
disco solar em 31 de outubro de 1690. Em 1686, o astrônomo alemão Gottfried
Kirch (1693-1710) então viúvo instalou-se na cidade de Leipzig, onde conheceu
Maria Margareth com quem se casou. Mais tarde, ela descobriu o cometa de 1702.
Caroline Herschel (1750-1848), apaixonada pela astronomia, especializou-se no polimento dos espelhos dos telescópios construídos pelo seu irmão – o famoso músico e astrônomo inglês de origem germânica, William Herschel, descobridor do planeta Urano - para ajudá-lo. Ela também fabricava os tubos dos telescópios em papelão. Trabalhadora incansável, ela descobriu um cometa em 1786, o primeiro dos nove que descobriu em onze anos. Foi a primeira mulher, de que se tem conhecimento, a receber uma remuneração pelos seus trabalhos.
A tolerância em relação às astrônomas começou a mudar um pouco com Mary Fairfax Grieg Somerville (1780-1872) – famosa pela tradução para o inglês da obra Traité de mécanique celeste (1799-1825, Tratado de mecânica celeste) do matemático e astrônomo francês Pierre Simon de Laplace,(1749-1827) -, que liderou as primeiras lutas de seu tempo a favor dos direitos das mulheres.
Nessa mesma época que surgem as sátiras contra as mulheres, como, por exemplo, Les Femmes savantes (As mulheres sábias, 1672) do escritor francês Jean-Baptiste Poquelin, mais conhecido como Molière (1622-1673).
Até o século XVII, as grandes
descobertas eram divulgadas através dos tratados científicos. Porém, a partir
da revolução científica surgiram as grandes edições de obras com objetivo de
popularizar a ciência. Por exemplo, a obra Entretiens sur la pluralité
des mondes (A pluralidade dos mundos habitados, 1686) do
escritor francês Bernard Le Bouyer de Fontenelle (1657-1757), era dedicada às
damas.
No século XVIII apareceram as primeiras enciclopédias específicas para as mulheres em ciências naturais e medicina. Assim por exemplo, o astrônomo francês Jérôme de Lalande (1732-1807), em sua Astronomie des Dames (1786) desenvolveu o gênero da literatura científica chamada “para as damas”, na qual incluiu uma breve história sobre as astrônomas. Talvez essa tenha sido a primeira história da ciência, na qual a contribuição das mulheres para a ciência não foi esquecida.
Com o Renascimento e, em seguida, com a Revolução científica, o interesse das mulheres pela ciência se generalizou. Muitos são os fatores para esta mudança, talvez o principal deles seja o fato de que nessa época, e por quase 200 anos, se discutia intensamente sobre a educação da mulher.
Na segunda metade do século do XIX, nos Estados Unidos, o preconceito contra as mulheres era ainda forte na comunidade científica. Ele só começou a cessar diante do talento e da qualidade do trabalho feminino. De início, as astrônomas dedicaram-se à astronomia de posição, à astrofotografia, à fotometria e, mais tarde, especialmente, à espectroscopia. As mulheres, como Maria Mitchell (1818-1889) começaram a ensinar a astronomia em 1876. Os observatórios, como o de Harvard, começaram a contratar algumas mulheres como Annie Jump Cannon (1863-1941), que teve grande sucesso ao classificar mais de 400.000 estrelas em nove catálogos, sem falar de seus outros trabalhos. Mas foi necessário esperar quase um século para ver as mulheres adquirindo uma quase-paridade econômica e acadêmica com os colegas masculinos.
No mundo da astronomia moderna, o casal Shoemaker ocupou um lugar privilegiado. Os seus trabalhos são quase inseparáveis. Eugène Shoemaker (1928-1997) confiou à sua esposa Carolyn Jean Spellman Shoemaker (1929- ), a observação do céu, em particular, a pesquisa de asteróides e cometas. Em 1982, Carolyn descobriu um NEO - Near Earth Object (Objeto próximo à Terra) -, um asteróide assim denominado por passar relativamente perto da Terra. Desde então, a paixão pelos cometas e asteróides não a abandonou. Em onze anos de trabalho, ela identificou 32. O conjunto dos trabalhos realizados por Carolyn e Eugène valeu ao serem recompensados pela NASA o título de "Cientistas do Ano" em 1995.
A astrônoma Vera Rubin (1928-) que estudou os movimentos e rotações das galáxias, foi a primeira mulher que conseguiu trabalhar no Observatório do Monte Palomar. Vera Rubin teve uma mestra excepcional, Margaret Peachery Burbridge (1919- ), pioneira na medida da velocidade de rotação das galáxias. Apaixonada pelos "quasares", Margaret Burbridge formou com seu marido Geoffrey Ronald Burbridge (1925- ) e os amigos William Alfred Fowler (1911-1995) e Fred Hoyle (1915-2001), o Quarteto B2FH, a quem se deve, desde 1964, a idéia de "colapso o núcleo de buraco negro maciço". As últimas descobertas cosmológicas não impediram que os Burbridges se opusessem, por razões estritamente científicas, à idéia do Big Bang.
Margaret Burbridge, Vera Rubin e depois dela também, Susan Jocelyn Bell Burnell (1943-) - especializada em astronomia no infravermelho e a quem se deve à descoberta dos pulsares -, foram precedidas por numerosas astrônomas que lhes abriram o caminho. Especializadas nestes “objetos complexos”, elas desenvolveram a espectroscopia. No entanto, como a análise espectral não fosse suficiente para permitir entender a organização das estrelas compreende-se que era necessário também classificá-las, ferramenta essencial da astronomia moderna, a classificação estelar remonta à Antigüidade, com os catálogos de Hiparco e Ptolomeu (c. 120 a.C).
O grande desenvolvimento desta ciência deve-se ao astrônomo norte-americano Edward Charles Pickering (1846-1919), diretor do Observatório de Harvard (HCO), que cercou-se de uma equipe feminina – que ficou conhecido como o harém de Pickering –. capaz de realizar tarefas exigentes repetitivas.
Entre as mais famosas dentre elas, encontravam-se Williamina Fleming (1857-1911), Antonia Maury (1866-1952) e Annie Cannon (1863-1941), todas as três astrônomas responsáveis pelos novos sistemas de classificação das estrelas utilizados até hoje.
Henrietta Swan Leavitt (1868-1921), nomeada por Pickering como chefe do departamento de fotometria estelar e de classificação estelar, foi quem estabeleceu a relação período-luminosidade das Cefeídas. Henrietta Leavitt deveria ter recebido o prêmio de Nobel. Em 1925, quando a Academia das Ciências da Suécia anunciou que iria propor seu nome descobriu-se que ela já havia falecido há quatro anos, pois a sua morte ocorrida em 1921 teve pouca repercussão.
A astrônoma Cecília Helena Payne-Gaposchkin (1900-1979), primeira mulher nomeada chefe do departamento de astronomia da Universidade de Harvard, em 1956, dedicou-se à pesquisa das três ou quatro mil estrelas variáveis das Nuvens de Magalhães.
Convém lembrar que Vera Rubin teve que esperar anos antes que lhe permitissem, em 1965, observasse ao telescópio de 5 metros do Monte Palomar, porque, aparentemente era proibido que uma mulher fizesse trabalhos de observação. Cecília Payne Gaposhkin (1900-1979), uma das grandes entre todas as astrônomas do século, só alcançou cátedra em Harvard depois de trinta anos de trabalho e ensino.
Na América Latina, existe uma quantidade considerável de mulheres na astronomia. O mesmo acontece na Espanha, França e Itália.
No Brasil, a primeira astrônoma profissional foi Yeda Veiga Ferraz Pereira (1925-), que trabalhou no Observatório Nacional, na década de 1950.
Outros nomes são Rosaly M.C.
Lopes-Gautier – que formou-se na Inglaterra e ficou conhecida por seu trabalho
em Geologia Planetária no Laboratório de Propulsão a Jato (JPL, sigla em
inglês) da NASA, onde ingressou em 1989 -, e Beatriz Barbuy (1950- ), que após
estagiar no Observatório de Meudon, doutorou-se pela Universidade de Paris, em
1982, dedicando-se posteriormente à astrofísica estelar, em particular, ao
cálculo dos espectros moleculares nas estrelas, no Instituto Astronômico e
Geofísico, da Universidade de São Paulo. Em seus estudos das estrelas de fraco
teor metálico, com o objetivo de explorar a formação da Via-Láctea, Beatriz fez
valiosas contribuições com relação às estrelas do núcleo da nossa Galáxia. Como
pesquisadora e professora na USP, teve um importante papel no desenvolvimento
da astrofísica no Brasil.
Hoje, muitas mulheres se dedicam às
carreiras científicas, mas foram necessários muitos anos de lutas nessa
direção. Existem ainda dificuldades a serem enfrentadas, mas as mulheres permanecem
se afirmando como profissionais competentes e qualificadas na ciência também,
assim como em outras áreas do conhecimento.
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Conteúdo adaptado a partir das seguintes fontes:
Portal do Astrônomo, texto de Ronaldo Mourão (publicado em 03/2007)
Portal de Astronomia da Universidade de Berkley
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