Domingos Sávio de Lima Soares
26 de setembro de 2009
Publicado originalmente na página do autor
As aparências enganam... Este ditado nunca foi tão verdadeiro
ao se pensar na galáxia de número 87 da lista do astrônomo
francês Charles Messier (1730-1817). Com a ajuda de um
pequeno telescópio, ou mesmo de um binóculo, M87 é vista
como um disco luminoso quase perfeito. Como veremos
a seguir, M87 é muito mais do que isso. Esta galáxia é
uma "central energética" de altíssima potência brilhando
não apenas no visível mas também em ondas de radiofreqüência
e raios X.
M87 é também chamada NGC 4486, ou seja, ela é a galáxia de número 4486 no "New General Catalog", organizado pelo astrônomo dinamarquês John L.E. Dreyer (1852-1926). Ela está localizada no aglomerado de galáxias de Virgem, que recebe este nome por estar situado na área do céu delimitada pela constelação estelar de Virgem. O aglomerado possui mais de 2000 galáxias. M87 é uma galáxia elíptica gigante, a terceira galáxia mais brilhante do aglomerado. As outras duas são galáxias lenticulares, a saber, M84 e M86. Alguns dados sobre M87: a sua distância é de 60 milhões de anos-luz, o seu diâmetro é de 120.000 anos-luz, cerca de 5 vezes maior que o diâmetro do disco da Via Láctea. A sua massa, apenas em estrelas, é estimada em 3 trilhões de massas do Sol, ou seja, mais de 20 vezes a massa da Via Láctea. Considerando que a Via Láctea é uma galáxia espiral gigante, vê-se que M87 é uma galáxia "monstruosa", simplesmente pelas suas dimensões e massa. Mas ela é mais do que isto, como veremos a seguir.
A imagem de parte do aglomerado de Virgem, mostrada aqui, está centrada em M87.
Vejam a imagem e façamos um passeio por ela. Ligeiramente acima e bem para a direita de M87 vemos, primeiro, M86 e, ao lado, M84. Algumas galáxias espirais, de perfil, podem ser vistas também. Logo abaixo de M84 e M86 está NGC 4388 e acima de M86 vê-se NGC 4402. À esquerda de M86 aparece um par de galáxias interagentes -- NGC 4438, a maior, e NGC NGC 4435. O grupo de galáxias, que se inicia em M84, passa por M86, pelo par interagente mencionado acima, e continua em curva até quase o alto, é denominada "cadeia de Markarian". O nome é uma homenagem ao astrônomo armênio B. E. Markarian (1913-1985), que observou esta estrutura, pela primeira vez, em meados dos anos 1970.
Bem abaixo de M84 está a galáxia espiral barrada, vista de perfil, NGC 4371, e mais abaixo, um pouco à esquerda, está uma galáxia espiral, também vista de perfil, NGC 4429. No lado oposto, bem à esquerda de M87, e um pouco acima, está a galáxia elíptica M89. Acima de M89, mais à esquerda ainda, está a galáxia espiral M90, a qual apresenta uma aparência imponente em imagens mais detalhadas. Estas são, por assim dizer, as "estrelas" desta área. Mas há aí inúmeras outras galáxias mais fracas.
A região central do aglomerado de
galáxias de Virgem. M87 é a galáxia no centro da imagem. A
Via Láctea é um membro periférico deste aglomerado, cuja
região central está a uma distância de 60 milhões de anos-luz
de nós. A largura da imagem corresponde a aproximadamente
3 milhões de anos-luz.
(Crédito: "Digitized Sky Survey", Instituto de Ciência do
Telescópio Espacial, Estados Unidos)
Muito bem. Após o passeio pelo aglomerado de Virgem,
voltemos ao nosso caso. A primeira surpresa, em relação a
M87, aconteceu em 1918, quando o astrônomo norte-americano
H. D. Curtis (1872-1942) descobriu um jato emergindo do
centro da galáxia. Um jato bastante estreito que se estende
por cerca de 5 mil anos-luz, "escondido" dentro dos limites
visíveis da galáxia. O jato só pode ser visto em imagens
obtidas com tempo de exposição curto, para se evitar que o
brilho das estrelas da galáxia, em sua vizinhança, impeça a
sua detecção. A presença do jato indica que processos
altamente energéticos estão ocorrendo no centro de M87.
Como, então, é formado este jato? A melhor explicação
para a origem do jato começa com gás e poeira da própria
galáxia caindo em direção ao centro, onde deve existir
uma concentração altíssima de massa -- provavelmente
um buraco negro de massa igual a cerca de 2 bilhões de
massas do Sol. Este material, ao cair em direção ao centro,
começa a girar e se distribui num disco, chamado "disco
de acresção". Este disco é que serve de colimador do jato.
O jato é constituído de elétrons e outras partículas
subatômicas, além de íons do próprio material em queda,
os quais são arremessados para fora da galáxia
em direções diametralmente opostas, devido à brutal
resistência que é encontrada nas proximidades do
centro galáctico. O jato é bastante estreito devido à
presença de um forte campo magnético ao longo de toda
a sua extensão. A luz visível é emitida principalmente pelos
elétrons ao se movimentarem no campo magnético presente
no jato. A propósito, como sugerido acima, existe um
"contra-jato", exatamente na direção oposta ao jato mostrado
aqui. Este contra-jato é bem mais fraco devido à sua localização
relativamente a nós, os observadores. Em outras palavras, a
orientação espacial da linha que passa pelo jato e pelo
contra-jato favorece a observação de apenas uma das
extremidades desta linha imaginária, ou seja, exatamente onde se
vê o jato.
O Telescópio Espacial Hubble foi utilizado para se observar o núcleo de M87, com um de seus instrumentos -- um espectrógrafo. Com o auxílio deste instrumento pode-se medir as velocidades do gás ali presente. Os resultados são estonteantes: o gás gira, em torno do centro da galáxia, em altíssimas velocidades, da ordem de 550 km por segundo, ou, 2 milhões de quilômetros por hora! Para que este gás continue preso ao núcleo da galáxia é necessário que haja uma massa enorme naquela pequena região. Isto proporcionaria a tremenda atração gravitacional necessária para segurar o gás em rotação. Estas observações favorecem a hipótese -- como vimos acima -- de que deve existir um buraco negro no centro da galáxia. Um buraco negro é uma das possibilidades teóricas de explicação de tal concentração de massa. A região nuclear de M87 é do tamanho do sistema solar, ou seja, muito pequena. Ela não pode conter o número necessário de estrelas -- 2 bilhões --, que possa fornecer a atração gravitacional capaz de manter o disco gasoso na altíssima rotação observada. Dai surge a necessidade de se procurar explicações alternativas. E um buraco negro é uma delas.
O Telescópio Espacial Hubble foi utilizado para se observar o núcleo de M87, com um de seus instrumentos -- um espectrógrafo. Com o auxílio deste instrumento pode-se medir as velocidades do gás ali presente. Os resultados são estonteantes: o gás gira, em torno do centro da galáxia, em altíssimas velocidades, da ordem de 550 km por segundo, ou, 2 milhões de quilômetros por hora! Para que este gás continue preso ao núcleo da galáxia é necessário que haja uma massa enorme naquela pequena região. Isto proporcionaria a tremenda atração gravitacional necessária para segurar o gás em rotação. Estas observações favorecem a hipótese -- como vimos acima -- de que deve existir um buraco negro no centro da galáxia. Um buraco negro é uma das possibilidades teóricas de explicação de tal concentração de massa. A região nuclear de M87 é do tamanho do sistema solar, ou seja, muito pequena. Ela não pode conter o número necessário de estrelas -- 2 bilhões --, que possa fornecer a atração gravitacional capaz de manter o disco gasoso na altíssima rotação observada. Dai surge a necessidade de se procurar explicações alternativas. E um buraco negro é uma delas.
(Crédito: J.A. Biretta, W.B. Sparks, F.D. Macchetto, E.S. Perlman e R. Mark Elowitz, Telescópio Espacial Hubble)
(Crédito: Frazer Owen, Jean Eilek e Namir Kassim, Observatório Nacional de Radioastronomia, Novo México, Estados Unidos)
E finalmente, mas não menos espetacular, M87 é também
poderosíssima emissora de ondas de raios X! Esta radiação
de altíssima energia procede de gás altamente ionizado,
à temperatura de mais de 10 milhões de graus Celsius,
distribuído numa região ainda maior do que a região
emissora de ondas de rádio exibida acima. Este gás é
constituído de ferro, silício, neônio e outros átomos, todos
produzidos no interior das estrelas e "jogados" para
fora da galáxia. Estes átomos, devido à enorme temperatura,
perderam os seus elétrons, que se encontram misturados
a eles, formando um enorme halo emissor de raios X. Os
elétrons, como no jato, é que emitem a radiação. Cargas
elétricas aceleradas emitem radiação. No jato, os elétrons
são acelerados pelo forte campo magnético presente no jato.
No halo de raios X, os elétrons são acelerados ao passarem
nas proximidades dos átomos ionizados, portanto, possuidores
de carga elétrica. Tanto o jato como o halo de
raios X constituem um estado da matéria que é denominado
de "plasma". O plasma é um gás de partículas carregadas
elétricamente. A propósito, o universo é constituído de mais
de 99% de plasma!
M87 também é espetacular por mais um detalhe: o seu sistema de aglomerados globulares. Um aglomerado globular é um sistema estelar, constituído de centenas de milhares de estrelas, as quais se distribuem de forma esférica -- daí o nome "globular" --, e estão ligadas umas às outras pela sua atração gravitacional mútua. Constituem, por conseguinte, subsistemas independentes de uma galáxia. As estrelas dos aglomerados globulares são muito velhas e representam uma amostra das primeiras estrelas de uma galáxia. A Via Láctea possui entre 100 e 200 aglomerados globulares, a maioria deles espalhados em um halo externo, que envolve o disco da galáxia. Entre os aglomerados globulares de nossa galáxia estão alguns dos mais belos espetáculos do céu. Por exemplo, o aglomerado Omega Centauri (NGC 5139), na constelação do Centauro, localizado próximo e ao norte do Cruzeiro do Sul, proporciona uma visão inesquecível a quem o observa -- neste caso é necessário um binóculo, pelo menos.
(Crédito: R. Mark Elowitz, Telescópio Espacial Hubble)
M87 é extraordinária neste aspecto por possuir vários milhares
de aglomerados globulares! Estimativas recentes apontam para
a existência de até 15.000 aglomerados globulares. Os aglomerados
são os objetos mais antigos de uma galáxia e estão intimamente
relacionados aos processos de formação das galáxias. No caso
de M87, o grande número de aglomerados globulares sugere que
esta galáxia pode ter "engolido" galáxias menores durante o seu
processo de formação, e parte dos aglomerados globulares
atuais podem ter sua origem ligada a estas galáxias. Ou seja, as
sucessivas fusões com outras galáxias não destruiu a individualidade
dos aglomerados globulares, que são sistemas gravitacionais
fortemente ligados. É evidente na imagem mostrada aqui a presença
de centenas de aglomerados globulares, vistos como pequenos
discos luminosos espalhados ao redor da galáxia. A maioria deles
não pode ser vista devido ao brilho intenso de M87.
De tudo que vimos, não é verdade, então, que as aparências enganam? M87 é demais...
De tudo que vimos, não é verdade, então, que as aparências enganam? M87 é demais...
O autor agradece o apoio financeiro da Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG).
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