12 de set. de 2013

O Big Bang, um "Estrondão" no espaço e no tempo

Décimo sexto capítulo da série "O Reino das Galáxias"
Domingos Sávio de Lima Soares 
24 de outubro de 2008
Publicado originalmente na página do autor 


A cosmologia é a ciência do universo. O seu objetivo final é responder questões cruciais: de onde surgiu o universo, como ele se organiza e para onde ele vai. Os cosmólogos são físicos e astrônomos, que atuam tanto nas esferas teóricas quanto experimentais e observacionais.
O universo pode ser contemplado como um conjunto de pontos, onde cada ponto é uma galáxia. A Via Láctea é a nossa galáxia, um sistema de bilhões de estrelas, entre elas o nosso Sol. O universo contém pelo menos centenas de bilhões de galáxias. A cosmologia estuda o universo das galáxias e pretende, desta forma, responder as questões apresentadas acima. Discutiremos as características de alguns modelos teóricos de um universo em expansão.

A teoria cosmológica dominante no momento é conhecida popularmente como a "teoria do Big Bang". Esta teoria é baseada na teoria da gravitação -- a teoria que descreve o peso das coisas -- de Albert Einstein (1879-1955), a chamada Teoria da Relatividade Geral.

Muitos físicos teóricos e astrônomos contribuíram para o estabelecimento do atual modelo padrão da cosmologia. A propósito, um modelo é chamado de "padrão", quando ele goza de maior apoio científico em determinado momento, apesar de não ser ainda comprovado.

A teoria do Big Bang afirma que o universo teve um início, num "Estrondão" cósmico, ocorrido há 14 bilhões de anos, um evento singular, em que tanto o espaço quanto o tempo foram criados, e a partir daí evoluem até alcançar os nossos dias, e daí para o futuro. 


 
  As galáxias mais distantes do universo, observadas pelo Telescópio Espacial Hubble. A cosmologia pretende entender como as galáxias se organizam no universo e como esta organização evolui.
(Crédito: S. Beckwith/STScI-NASA/ESA) 

 
Tudo começou em 1917, portanto, há pouco mais de 90 anos, quando Einstein propôs o primeiro modelo cosmológico relativístico, isto é, baseado na Teoria da Relatividade Geral. Este modelo, hoje considerado ultrapassado, serviu como semente, bastante profícua, de uma série de estudos teóricos que visavam a entender a estrutura geral do universo, tanto espacialmente quanto temporalmente. O modelo de Einstein marca o início da cosmologia relativística.
O modelo padrão da cosmologia atual é a modificação de um dos modelos relativísticos históricos: o modelo do cosmólogo russo Alexander Friedmann (1888-1925). Logo após a proposta de Einstein, Friedmann publicou, no início da década de 1920, os seus estudos. Eles se constituíam em soluções das equações da relatividade geral, aplicadas ao universo, sob uma hipótese simplificadora, que ficou conhecida, posteriormente, como o "princípio cosmológico". 


 
Alexander Friedmann, matemático e cosmólogo russo, descobriu soluções particulares das equações relativísticas, que se tornaram a base do modelo padrão da cosmologia. Ele morreu em 1925, aos 37 anos, de febre tifóide.
(Crédito: Domínio público) 

 
Um "princípio" científico é uma afirmação que é aceita, como hipótese de trabalho, embora não possa ser demonstrada teoricamente, ou verificada de maneira experimental ou observacional.

Muito bem, o princípio cosmológico afirma que, em determinado instante, o universo é o mesmo em todos os lugares. Isto significa que, exceto por irregularidades locais, o universo nos apresenta, em média, a mesma aparência, no que diz respeito à distribuição das galáxias. Dizemos, então, que o universo é "homogêneo" e "isotrópico". Isotrópico significa "o mesmo, em qualquer direção". Alguém poderia dizer que a homogeneidade implica em isotropia. Um exemplo simples ilustra a diferença entre os dois conceitos. Imagine uma deliciosa broa de tabuleiro. Se ela foi bem amassada, ela será homogênea. Mas a broa de tabuleiro não é isotrópica pois ela possui, na direção perpendicular ao fundo do tabuleiro, um tamanho menor. Em outras palavras, a broa não é a mesma em todas as direções. Ela não é isotrópica. Quanto ao universo, se ele for infinito, ele será infinito em todas as direções, e se ele for finito, da mesma forma. A suposição de isotropia, embora não possa ser comprovada, é importante como requisito matemático simplificador. E é, antes de mais nada, uma suposição razoável, do ponto de vista físico.

Ora, as equações da relatividade são de uma complexidade matemática muito grande, mas com o princípio cosmológico elas são grandemente simplificadas, e elegantes soluções são possíveis. As soluções obtidas por Friedmann resultaram no seguinte modelo de universo: (1) o espaço tridimensional evolui no tempo -- expande-se --, a partir de uma "singularidade", isto é, de um universo de tamanho igual a zero. Obviamente, isto é uma idealização, nada pode ser realmente de tamanho zero! Mas deixemos esta questão de lado, pelo menos por enquanto. Uma determinada quantidade de energia também é criada neste instante inicial. Posteriormente, parte da energia transforma-se em matéria. (2) A maneira como ocorre a expansão depende da quantidade de energia criada no instante inicial. Teremos três possibilidades, as quais recebem os nomes de "universo fechado", "universo crítico", ou "plano", e "universo aberto". A seguir descreveremos estes três "universos".

Antes porém, façamos uma analogia, que nos será bastante esclarecedora. As evoluções dos universos de Friedmann podem ser comparadas com os movimentos possíveis de uma pedra arremessada, verticalmente para cima, por alguém que tenha capacidade de imprimir à pedra uma velocidade inicial tão grande quanto ele queira. Neste caso, temos também três possibilidades, dependendo da velocidade, isto é, da energia inicial da pedra: primeiro, a pedra sobe até uma certa altura e retorna ao chão; segundo, a pedra sobe indefinidamente, escapa da atração gravitacional da Terra, e atinge o estado de repouso numa distância muito grande do chão -- no "infinito"; e, terceiro, a pedra sobe indefinidamente, mas nunca atingirá um estado de repouso, nem mesmo a uma distância infinita da Terra.

O universo fechado corresponde à primeira pedra. A expansão do universo eventualmente cessará, e o universo colapsará sobre si mesmo. Um novo evento de "criação" ocorre e temos um novo ciclo de expansão. Teoricamente, o universo fechado é cíclico. Mas pode não ser, já que as teorias físicas atuais deixam de ser válidas, quando o tamanho do universo se aproxima de zero. A ciência não contém a chave de todos os mistérios da natureza, como gostaríamos. O espaço do universo fechado é curvo. Ele é curvo como é curva a superfície bidimensional de uma esfera. Só que, em nosso caso, o espaço tridimensional é que é curvo. Curvo como a superfície tridimensional de uma hiperesfera no hiperespaço -- matemático -- de quatro dimensões. A geometria deste universo não é euclidiana. Por exemplo, a soma dos ângulos internos de um triângulo cósmico é maior do que 180 graus. O conteúdo de matéria e energia do universo é grande o suficiente, de modo a parar a expansão. A taxa de expansão diminui progressivamente até que a expansão cessa. Ela está sendo freada pela massa e energia contidas no universo. Neste instante -- ao cessar a expansão --, o universo possui um tamanho finito. Dizemos, então, que o universo é fechado e finito. 



 
Representação bidimensional das geometrias dos modelos fechado, aberto e plano de Friedmann. Em vermelho, os triângulos "cósmicos".
(Crédito: Domínio público) 


O universo crítico, ou plano, corresponde à segunda pedra. A expansão só cessará quando o universo tiver um tamanho muito, muito grande, o que é chamado em matemática, de "infinito". A geometria é plana, ou seja, ela obedece aos postulados de Euclides (século III a.C.), que são os fundamentos de nossa geometria usual. O conteúdo de matéria e energia do universo é apenas o suficiente para que a expansão cesse no infinito. A taxa de expansão diminui também, como no universo fechado, e vai a zero no infinito. O universo é plano e infinito.

O universo aberto corresponde à terceira pedra. A energia e a matéria criadas no Estrondão não são suficientes para conter a expansão. Mesmo ao atingir um tamanho infinito, o universo estará em expansão. A geometria é análoga àquela que vigora sobre a superfície bidimensional de uma sela de cavalo. A soma dos ângulos internos de um triângulo cósmico é menor do que 180 graus. Imagine agora -- nós conseguimos, a imaginação é livre, infinita! -- uma sela tridimensional imersa num hiperespaço de quatro dimensões. É assim o modelo aberto de Friedmann. A taxa de expansão estará diminuindo, como nos outros universos de Friedmann, mas a expansão nunca cessará. O universo é aberto e infinito.

Os modelos de Friedmann são muito bonitos e ricos, do ponto de vista conceitual. Entretanto, já se sabe que eles não se aplicam ao universo real. O que é, verdadeiramente, uma pena! Mas os cosmólogos do modelo padrão não desistiram deles. Eles introduziram novas idéias -- por exemplo, as idéias das existências da "matéria escura" e da "energia escura" --, de modo a torná-lo consistente com o que eles acreditam ser o universo real, isto é, o universo observado.

A Teoria da Relatividade Geral de Einstein é uma teoria de gravitação. Ela descreve a atração gravitacional -- o peso -- de uma maneira totalmente diferente da teoria de gravitação de Isaac Newton (1643-1727). Na teoria de Newton, o peso é descrito por uma força, a força gravitacional. A lei de gravitação de Newton diz que "dois corpos, de dimensões desprezíveis comparadas à distância entre eles, se atraem com uma força diretamente proporcional ao produto de suas massas e inversamente proporcional ao quadrado da distância entre eles". Por exemplo, se a distância entre os corpos é duplicada, a força torna-se quatro vezes menor. Da mesma forma, se cada uma das massas é duas vezes maior, a força entre eles torna-se quatro vezes maior.
A gravitação de Einstein é descrita com novos conceitos. Primeiro, ele introduz a idéia de que não devemos separar o espaço do tempo, como é o caso na mecânica newtoniana. O espaço e o tempo devem ser vistos como uma nova entidade, o espaço-tempo. O tempo, tanto quanto o espaço, são personagens ativos na mecânica einsteiniana. Einstein propôs que a matéria e a energia "deformam" o espaço-tempo, e os corpos percorrem trajetórias, isto é, caminhos, no espaço-tempo deformado, ou, como é mais comumente dito, no espaço-tempo curvo. A matéria e a energia "dizem" ao espaço-tempo como se curvar, e a matéria e a radiação percorrem trajetórias neste espaço-tempo curvo. Estas trajetórias são os caminhos mais curtos possíveis entre dois pontos. Num espaço-tempo plano, ou euclidiano, as trajetórias são as nossas conhecidas linhas retas. De modo geral, elas recebem o nome de "geodésicas". Então, na gravitação relativística, os corpos e a radiação percorrem geodésicas.
As ilustrações geométricas dos modelos de Friedmann, mostradas aqui, são representações do espaço e não do espaço-tempo. O espaço do modelo crítico de Friedmann é plano, mas o espaço-tempo do modelo crítico não é plano. Isto porque, mesmo no modelo crítico, como vimos, existe uma desaceleração da expansão. Portanto, existe uma "força" gravitacional, no sentido newtoniano, e um espaço-tempo curvo, na descrição relativística, ou einsteiniana.
Einstein também propôs outra teoria relativística, antes da teoria geral. Isto ocorreu em 1905, e a teoria recebeu o nome de "Teoria da Relatividade Especial". Ela é especial porque ela considera apenas as situações em que não existam acelerações, ou seja, em que não existam forças, no sentido newtoniano. Ela também pode ser descrita por um espaço-tempo. Mas na relatividade especial este espaço-tempo é plano. As geodésicas são linhas retas. Este espaço-tempo recebe o nome de "espaço-tempo de Minkowski", em homenagem ao matemático russo Hermann Minkowski (1864-1909). Foi ele quem propôs esta maneira de descrever a Teoria da Relatividade Especial. Einstein não a havia proposto com este formalismo matemático. Posteriormente, Einstein utilizou uma generalização deste formalismo, quando criou a Teoria da Relatividade Geral.

A cosmologia moderna do Big Bang não é de forma alguma um sucesso consensual. Ela possui problemas sérios. Por exemplo, a idéia de que o universo deve ser constituído, em grande parte, de uma matéria diferente da usual, que é a matéria da qual os planetas, os abacates, as pessoas e tudo o mais, são formados. Esta matéria diferente chama-se "matéria não bariônica". A matéria comum é, portanto, a matéria bariônica, formada principalmente de nossos velhos conhecidos prótons e nêutrons. Acontece que -- e aqui aparece o grande problema --, até hoje esta matéria não foi descoberta, isto é, não foi observada. Ela é então chamada de "matéria escura". Mas a teoria do Big Bang prevê, seguramente, a sua existência. Há mais de vinte anos a comunidade científica tenta detectar esta matéria exótica, mas até agora sem sucesso.
Da mesma forma, como mencionamos acima, existe um outro componente "escuro" no universo. Este outro componente aparece na forma de uma "energia" desconhecida, prevista pela teoria, para explicar a expansão do universo. As observações astronômicas parecem indicar que a expansão do universo é, atualmente, acelerada. E não desacelerada, como nos modelos clássicos de Friedmann. O responsável pela aceleração da expansão deve ser uma nova forma de energia, até então desconhecida. Os cosmólogos ainda estudam esta energia, prevista pela teoria, com o objetivo de entender exatamente o que ela representa. Isto complica muito a situação, pois torna-se bastante difícil procurar algo que não se sabe o que seja.
Deveríamos descartar a teoria do Big Bang? Alguns cosmólogos dissidentes acham que sim, por causa destes e de outros problemas, mas a maioria dos cosmólogos apoia a teoria, e acha que não.

Como dito acima, o universo do modelo padrão possui cerca de 14 bilhões de anos. Isto parece significar que o universo teve um "início". Mas não é bem assim. Rigorosamente, nenhuma teoria científica explica o início do universo, nem mesmo a teoria do Big Bang. O modelo padrão da cosmologia é caracterizado por um evento chamado de "inicial", por convenção. A teoria descreve a evolução do universo, e quando o universo é examinado retrospectivamente, chega-se, eventualmente, às fronteiras do conhecimento científico atual. Este é, portanto, o "início" do universo. Os cosmólogos do modelo padrão não conseguem estudar as épocas anteriores a este evento, pelo simples motivo de que as teorias físicas disponíveis não vigoram mais. Existem inúmeras tentativas para suprir esta deficiência mas até agora sem sucesso. Então, este evento é rotulado de "o início do universo". Ou, particularmente, "o início do universo do modelo padrão".

Existem outras teorias cosmológicas que não possuem um evento inicial. Nelas, o universo é infinito, espacialmente, e eterno, temporalmente. É claro que a questão do início ainda existe, mas nestas teorias ela é, de certa forma, ignorada. Isto não nos satisfaz, certamente, e nem aos cosmólogos. Tanto nos modelos com eventos iniciais quanto nos modelos infinitos, a questão permanece: como tudo começou? A ciência trabalha nesta questão, e aos poucos muitos problemas são resolvidos mas outros tantos aparecem. Trata-se de um percurso normal, em se tratando de desenvolvimento científico.
Na cosmologia padrão, portanto, o universo está em expansão a partir de um evento inicial. Para explicar esta expansão, os cosmólogos utilizam freqüentemente a analogia de um balão sendo inflado. Imaginemos que vivamos sobre a superfície de um gigantesco balão que está sendo inflado. Cada pessoa sobre a superfície do balão verá as outras se afastando dela. Cada pessoa se acreditará, com razão, como estando no "centro" da expansão. Agora, o universo é espacialmente tridimensional, de acordo com o modelo padrão, e o modelo descreve a expansão de uma maneira análoga. Desta forma, pode-se dizer que todos os pontos do universo estão no "centro", inclusive nós. Em outras palavras, como na música dos Beatles, o centro do universo está "Aqui, ali e em todo o lugar".

A cosmologia, dito em outros termos, estuda a evolução e a distribuição espacial dos eventos cósmicos. Um evento é definido por uma localização no espaço e uma posição no tempo. O "aqui" e o "agora" é um evento bastante interessante simplesmente porque é o "nosso" evento. A Terra e a humanidade estão "aqui" e "agora". A cosmologia pode, portanto, argumentar cientificamente sobre o "aquém" e o "antes", sobre o "aqui" e o "agora", e sobre o "além" e o "depois".
A conclusão final é que ainda não possuímos um modelo cosmológico satisfatório. Ainda não sabemos como se organiza e evolui o universo das galáxias. Os esforços continuam. Isto é o que nos anima e entusiasma!



O autor agradece o apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG).

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