Domingos Sávio de Lima Soares
06 de junho de 2008
Publicado originalmente na página do autor
Há 400 anos, mais precisamente, em 1638, o astrônomo italiano Galileu Galilei (1564-1642) propôs, pela primeira vez na história da ciência, um método para se medir a velocidade da luz. O método é descrito em seu livro intitulado "Discorsi e dimonstrazioni matematiche intorno a due nuove scienze, attinenti alla meccanica e i movimenti locali", ou, resumidamente, "Discurso das duas novas ciências, mecânica e cinemática". Um assistente se posicionaria no alto de uma montanha, a alguns quilômetros, munido de uma lanterna coberta por um pano. Galileu, também munido de uma lanterna, nas mesmas condições, então, descobriria a sua lanterna, e o assistente, assim que percebesse a luz, descobriria a sua. Com o auxílio de um relógio de água, Galileu mediria o tempo transcorrido durante a viagem de ida e volta dos raios luminosos. De fato, Galileu realizou a experiência e constatou que o tempo era muito pequeno para ser medido. A sua conclusão foi simplesmente que "se a luz não se propaga instantaneamente, ela é extraordinariamente rápida".
Hoje, sabemos que a luz viaja à incrível velocidade de 300.000 km em cada segundo! Nào é de se estranhar que Galileu não tenha conseguido medir o intervalo de tempo desejado! Ele deveria ser capaz de medir cerca de centésimos de milésimos de segundo, para conseguir o seu objetivo. O que, mesmo hoje em dia, nào é uma tarefa fácil...
A distância percorrida pela luz em um segundo é, portanto, muito grande. Ela corresponde quase à distância da Terra até a Lua. A luz precisa de 500 segundos para vir do Sol até a Terra, e de cerca de 5 horas para viajar do Sol até o remoto Plutão, que se localiza na periferia de nosso sistema planetário.
A luz é então bastante útil para os nossos propósitos de investigar a estrutura do universo. O objetivo é conhecer um pouco sobre o tamanho do universo, tanto no espaço quanto no tempo. Quando vemos algo que está muito distante, também o vemos como era no passado. A Lua que vemos agora é a Lua de 1 segundo atrás. O Sol que brilha no céu é o Sol de 500 segundos atrás, e assim por diante.
A organização do universo é revelada pela maneira como as galáxias se distribuem no espaço. A galáxia da Via Láctea, também chamada de Galáxia, é a nossa morada. É o local de onde observamos a estrutura do universo.
A Galáxia faz parte de um pequeno conjunto de galáxias, ligadas gravitacionalmente umas às outras, que se distribui por um espaço de 3 milhões de anos-luz! O universo é realmente grande, ainda nem saímos de casa e já passamos dos segundos-luz para os milhões de anos-luz. A luz da galáxia mais remota em nossa vizinhança imediata partiu em nossa direção há pelo menos 2 milhões de anos.
As galáxias, de modo geral, se apresentam em pares, em pequenos e grandes grupos, de três a uma dezena de galáxias, e em enormes aglomerados, formados por centenas e até milhares de galáxias. As galáxias em um aglomerado se distribuem em regiões de 10 a 20 milhões de anos-luz de diâmetro.
Os grupos de galáxias são constituídos por galáxias que se ligam umas às outras pela atração gravitacional mútua. Em alguns grupos, as galáxias estão muito próximas, como no Quinteto de Stephan, mostrado na figura. Estes grupos são denominados "grupos compactos". Neles, a separação entre as galáxias é aproximadamente igual ao próprio tamanho médio das galáxias que os constituem. Os grupos compactos são importantes para o estudo da evolução das galáxias porque os membros do grupo tendem a se fundir. Algumas das galáxias em grupos compactos apresentam as características originais das galáxias que se fundiram. Isto sugere que existe uma probabilidade de ocorrerem novas fusões. Algumas galáxias elípticas surgiram das fusões de duas galáxias espirais. Este mecanismo de formação de galáxias elípticas não é o único possível, no entanto. Os astrônomos observam que algumas elípticas já "nasceram" com as suas características típicas, não sendo nestes casos formadas pelas fusões de duas -- ou mais -- galáxias.
Existem também grupos em que as galáxias estão mais afastadas umas das outras, quando comparados aos grupos compactos. Em geral, um catálogo de grupos de galáxias contém representantes de ambos os tipos de grupos.
O astrônomo norte-americano George Abell (1927-1983) foi o primeiro a determinar um catálogo de aglomerados de galáxias. O catálogo foi originalmente publicado em 1958, e fazia parte de sua tese de doutoramento em astronomia. O catálogo de Abell possui 2.712 aglomerados, observados no céu do hemisfério norte. Posteriormente, em 1989, ele foi complementado, utilizando-se os mesmos critérios de definição de aglomerado, com mais 1.361 aglomerados observados no céu do hemisfério sul. O catálogo completo de Abell possui, portanto, 4.073 aglomerados de galáxias. Um dos critérios de Abell era de que um aglomerado deveria ter no mínimo 50 galáxias. Outro critério era de que estas galáxias deveriam estar distribuídas num intervalo pré-defindo de brilho aparente: a terceira galáxia mais brilhante deveria ser, no máximo, cerca de 10 vezes mais brilhante que a galáxia mais fraca. Ainda mais, as galáxias deveriam estar localizadas entre 300 milhões e 3 bilhões de anos-luz de distância. Estas distâncias resultavam num limite máximo e mínimo dos brilhos aparentes das galáxias presentes no catálogo. Abell descobriu os aglomerados examinando fotografias do céu obtidas no Observatório do Monte Palomar, localizado no estado da Califórnia, nos Estados Unidos. O seu trabalho foi bastante meticuloso e ele examinou as fotografias repetidas vezes, com o auxílio de uma lupa de 3,5 vezes de aumento. Como se vê, o trabalho científico pode se tornar, em muitos casos, extenuante. No caso de George Abell o trabalho compensou, pois o seu catálogo é até de grande utilidade na pesquisa astronômica.
O aglomerado que aparece na figura é Abell 2151, ou seja, o aglomerado de número 2151 na lista completa de Abell.
O catálogo de Abell, descrito acima, foi o precursor de inúmeros outros catálogos de aglomerados posteriores. Atualmente, o astrônomo conta com vários catálogos de aglomerados à sua disposição.
O Grupo Local de galáxias, ao qual pertence a Galáxia, faz parte de um aglomerado de galáxias, o chamado "aglomerado de Virgem". O seu nome origina-se do nome da constelação de Virgem, a região do céu onde ele se localiza. Nunca é demais lembrar que uma constelação é um arranjo arbitrário de estrelas de nossa própria galáxia, e que serve para delimitar uma área do céu. O aglomerado de Virgem localiza-se nesta região, mas a maioria de suas galáxias estão a milhões de anos-luz de nós, e é visto em projeção sobre a constelação de Virgem. A Galáxia está situada na periferia deste aglomerado, e a sua região central pode ser observada perfeitamente com telescópios de pequeno aumento. A maioria das galáxias do aglomerado de Virgem, aquelas que se localizam nas regiões centrais, são galáxias elípticas gigantes. Este aglomerado é mais "velho" que o aglomerado de Hércules, que aparece aqui, na ilustração. Em geral, os aglomerados ricos em galáxias espirais são mais jovens que aqueles ricos em galáxias elípticas. Muitas das gigantes elípticas do aglomerado de Virgem foram catalogadas pelo famoso "caçador de cometas", o astrônomo francês Charles Messier (1730-1817), e são designadas pela letra "M" seguida de um número de ordem. Elas foram incluídas no catálogo com o objetivo de não serem confundidas com cometas. A mais famosa galáxia elíptica gigante do aglomerado de Virgem é M87. Ela é um verdadeiro "monstro" cósmico! É uma fonte fortíssima de ondas de rádio, de raios X, e apresenta um jato de partículas relativísticas -- isto é, que se movem com velocidades próximas da velocidade da luz --, que emerge de seu centro em direções opostas.
Os aglomerados de galáxias, por sua vez, ligam-se gravitacionalmente em grupos maiores denominados "superaglomerados". Existem alguns catálogos de superaglomerados, contendo, cada um, dezenas de aglomerados de galáxias. Os superaglomerados se estendem por vastidões de 50 a 300 milhões de anos-luz.
O trabalho pioneiro na descoberta dos superaglomerados deveu-se a um astrônomo francês, nascido em Paris. Em 1953, mesmo antes do primeiro catálogo de galáxias, Gérard de Vaucouleurs (1918-1995) descobriu que o aglomerado de Virgem localiza-se, aproximadamente, no centro de um grande grupo de galáxias -- um superaglomerado -- com cerca de 50 milhões de anos-luz de extensão. Ele o denominou de "Superaglomerado Local". Trata-se de uma grande estrutura achatada, com a forma aproximada de uma panqueca "gorda". O Grupo Local -- e a Galáxia -- localizam-se na periferia do aglomerado de Virgem, e também na periferia desta estrutura, o Superaglomerado Local.
O próprio Abell utilizou o seu catálogo de aglomerados de galáxias, de 1958, para determinar um catálogo de superaglomerados. Este catálogo foi publicado em 1961.
A hierarquia na distribuição das galáxias parece terminar nas dimensões dos superaglomerados. Mas pode ser também que isto seja apenas um reflexo de nossa incapacidade de observar mais longe, no espaço e no tempo. Ou, alternativamente, se o modelo padrào da cosmologia -- a ciência do universo -- estiver correto, ao vermos muito longe, estaremos nos aproximando de uma época cósmica -- o tempo -- em que as próprias galáxias ainda não existiam!
O autor agradece o apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG).
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