28 de mar. de 2013

O Grupo Local de galáxias

Décimo capítulo da série "O Reino das Galáxias"  
Domingos Sávio de Lima Soares  
09 de maio de 2008
Publicado originalmente na página do autor


A estrela mais próxima da Terra é o Sol. O Sol possui bilhões de companheiras, a enorme maioria delas invisíveis aos nossos olhos. Com a vista "desarmada", o ser humano é capaz de ver cerca de 9.000 estrelas em todo o céu noturno, e isto se contarmos com uma noite sem nuvens e sem a presença da Lua. As nuvens obstruem a luz das estrelas e a claridade da Lua ofusca o brilho das estrelas mais fracas.

Todas as estrelas companheiras do Sol fazem parte de nossa galáxia, conhecida como "Galáxia", com "g" maiúsculo, ou Via Láctea. Ambos os termos relacionam-se a "leitoso", o primeiro tem origem no grego e o segundo no latim. A explicação para este nome é a aparência que o conjunto das estrelas, agrupadas no céu, nos oferece em uma noite com céu excepcionalmente limpo e escuro. A Via Láctea, em certo sentido, é a nossa "casa" no imenso universo!

A Via Láctea, por sua vez, também tem bilhões de companheiras! A enorme maioria delas invisíveis aos nossos olhos. De fato, conseguimos ver, a olho nu, apenas três galáxias: a grande "nebulosa" -- galáxia -- localizada na constelação de Andrômeda, a Grande Nuvem de Magalhães e a Pequena Nuvem de Magalhães, sendo estas duas últimas galáxias satélites de nossa Via Láctea, e bem menores do que ela.


Imagem do céu, em luz infravermelha, registrada por um dos instrumentos a bordo do satélite norte-americano COBE, sigla em inglês para "Cosmic Background Explorer". O olho humano não enxerga esta luz. A fonte dominante de infravermelho nesta imagem são as estrelas do disco da Via Láctea. Esta imagem é possível porque o Sol está localizado na extremidade do disco galáctico, a 28.000 anos-luz do seu centro, e o disco aparece projetado de perfil contra o fundo do céu. (Crédito: NASA)

A confirmação mais espetacular de que a Via Láctea é realmente uma galáxia com um disco vem de sua imagem obtida no infravermelho próximo. Mas o que é o infravermelho próximo? O espectro visível, ou seja, o conjunto das radiações eletromagnéticas que são detectadas pelo olho humano, vai do vermelho ao violeta, passando pelo amarelo, e as outras cores características do arco-íris. As "cores" logo abaixo do vermelho são denominadas "radiação infravermelha", ou simplesmente, "infravermelho". O infravermelho mais próximo do vermelho é chamado de "infravermelho próximo". A grande vantagem do infravermelho próximo é a de que ele não é absorvido nem espalhado significativamente pela poeira interestelar. Assim, como a maioria das estrelas emitem radiação infravermelha, uma imagem da Via Láctea nesta cor revelará claramente a estrutura da galáxia sem o obscurecimento provocado pela poeira interestelar. Como o Sol -- e por conseqüência, a Terra -- está localizado na periferia da Via Láctea, longe de seu centro, podemos ter uma visão privilegiada de seu disco projetado contra o fundo do céu. O resultado é uma imagem bastante nítida de um disco visto de perfil, comprovando, de forma inequívoca, que a Via Láctea é de fato uma galáxia de disco. A imagem mostrada aqui foi obtida no final da década de 1980 pelo satélite norte-americano COBE, sigla em inglês para "Cosmic Background Explorer", ou, "Explorador do Fundo Cósmico".

Pouco menos de 40 galáxias localizam-se dentro de um raio de aproximadamente 3 milhões de anos-luz centrado na Via Láctea. Estas galáxias -- incluindo a Via Láctea e as três mencionadas anteriormente -- fazem parte de um grupo bastante especial denominado Grupo Local de galáxias, ou simplesmente, Grupo Local.


A grande galáxia espiral localizada na constelação de Andrômeda. Seu nome de catálogo é Messier 31, ou, simplesmente, M31. Esta galáxia pode ser vista a olho nu. M31 é a maior galáxia do Grupo Local, seguida pela nossa Via Láctea, também uma galáxia espiral. (Crédito: Robert Gendler) 

Os três maiores membros do Grupo Local são, em ordem decrescente de massa, a galáxia de Andrômeda, cujo número no catálogo Messier é 31, daí o seu nome M31, a Via Láctea, e a galáxia 33 do catálogo Messier, ou, M33. Esta última é uma bela galáxia vista de topo, ou seja, apresenta o seu disco quase perpendicular à direção de observação. Ela se localiza na constelação do Triângulo, vizinha da constelação de Andrômeda, onde se localiza M31. Ambas podem ser vistas -- M33 com o auxílio de um binóculo ou de um pequeno telescópio -- no fim de todo ano. M31 apresenta-se não muito acima do horizonte, e M33 pode ser vista a aproximadamente 15 graus acima de M31.

Estas três galáxias concentram mais de 90% de toda a luz visível emitida pelo Grupo Local. A maioria dos outros componentes do Grupo Local são galáxias anãs, de massas pequenas, comparadas às três primeiras, e consequentemente de pouca luminosidade. Mais de uma dezena delas são satélites de M31 e aproximadamente o mesmo número delas são satélites da Via Láctea. Rigorosamente, o Grupo Local pode ser considerado um grupo triplo de galáxias. Isto significa que se estivéssemos observando um grupo distante, semelhante ao Grupo Local, veríamos apenas as três maiores galáxias do grupo. Os grupos de galáxias triplos descritos em catálogos de galáxias múltiplas não diferem substancialmente do Grupo Local, quando consideramos os brilhos relativos de suas três maiores galáxias. Alguns astrônomos consideram que M33 está ligada a M31, por se encontrar em suas proximidades. O conjunto, por sua vez, estaria ligado gravitacionalmente à Via Láctea, formando, portanto, um grupo tríplo de galáxias.

Em alguns estudos podemos também considerar o Grupo Local como um sistema binário de galáxias -- M31 e Via Láctea. Estas duas possuem mais de 80% de toda a massa do grupo, e, portanto, de acordo com os objetivos da investigação realizada, a sua influência predomina sobre a influência das demais galáxias, inclusive de M33. Mesmo não sendo uma uma galáxia anã, M33 ainda assim é cerca de seis vezes menor que M31 e cerca de três vezes menor que a Via Láctea.

As galáxias anãs do Grupo Local são em sua maioria "esferoidais", isto é, as suas estrelas, gas e poeira, se distribuem numa estrutura, bastante difusa, de forma esférica. Por possuírem massa pequena e serem difusas, elas são, em geral, muito difíceis de serem observadas. Muitas delas possuem massas pouco maiores que as massas de "aglomerados de estrelas" existentes ao redor das grandes galáxias. Mas o que distingue um aglomerado de estrelas de uma galáxia anã? O fator principal é que as estrelas de um aglomerado estelar formaram-se todas em uma mesma época, todas têm a mesma idade. Já as estrelas de uma galáxia formaram-se no decorrer do tempo, ou, em eventos distintos de formação estelar. Inclusive, algumas delas possuem formação de estrelas em pleno andamento.

As três principais galáxias do Grupo Local são galáxias espirais, a sua massa se distribui num disco, que apresenta uma estrutura bastante luminosa na forma de um catavento, exibindo o que se denomina "braços espirais". A maioria das anãs são irregulares, isto é, galáxias sem forma bem definida. Existe apenas uma galáxia elíptica, que é uma satélite de M31, e cujo número de catálogo é M32. As galáxias elípticas possuem este nome por possuírem a forma característica de uma esfera achatada projetada no céu, e não apresentam estruturas, como, por exemplo, os braços espirais, típicos das galáxias espirais.

M31 está se aproximando da Via Láctea com uma velocidade de 120 km/s, ou, estonteantes 430.000 km/h! Esta velocidade foi medida com bastante precisão, analisando-se o espectro da luz emitida por M31. Nesta velocidade, a grande galáxia de Andrômeda colidiria com a Via Láctea em cerca de 6 bilhões de anos. Isto provavelmente não ocorrerá porque a velocidade de 120 km/s é apenas uma parcela da velocidade relativa das duas galáxias. Esta parcela -- ou componente -- está na direção da linha que une as duas galáxias, também chamada "direção radial". Se houver uma componente de velocidade perpendicular a esta linha, então M31 e a Via Láctea estarão em uma órbita mútua de formato elíptico, semelhante às órbitas dos cometas em torno do Sol. Dependendo do valor desta componente de velocidade, M31 poderá passar bem longe da Via Láctea nos próximos bilhões de anos. O grande problema é a dificuldade de se medir esta componente de velocidade. Mas os astrônomos já têm feito progressos neste sentido, e os resultados indicam que uma colisão entre as duas galáxias não deve ocorrer.

Imagem da galáxia M33 obtida com o Telescópio Isaac Newton, localizado na ilha espanhola de Las Palmas, próximo à costa oeste africana. M33 está localizada a 3 milhões de anos-luz da Terra e pode ser vista com o auxílio de um binóculo. M33 está próxima de M31, a maior galáxia do Grupo Local. (Crédito: David Malin)
O Grupo Local pode possuir muitas outras galáxias anãs, que ainda não foram descobertas por serem muito débeis em brilho e por estarem ocultas pela poeira interestelar abundante no disco de nossa Via Láctea. Com a melhoria das técnicas observacionais e dos telescópios, é bem provável que o número de galáxias do Grupo Local aumente ainda mais.

O Grupo Local, o nosso "bairro" no universo, é claro, não está isolado. Ele se localiza na periferia de um grande aglomerado de galáxias denominado "aglomerado de Virgem". Este aglomerado possui milhares de galáxias, todas elas ligadas pelas suas atrações gravitacionais mútuas. Ele tem este nome porque a maioria de suas galáxias é vista na região do céu onde está a constelação de Virgem. Em nossa analogia, ele é a nossa "cidade" no universo. Mas o aglomerado de galáxias de Virgem também não está isolado...

E esta estória, realmente, não tem fim. Ainda bem, pois somos todos nós, seres humanos, muito curiosos!

O autor agradece o apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG).

Um comentário:

  1. Excelente post sobre o Grupo Local. É extraordinário verificar que apesar da enorme dimensão (à nossa escala) deste conjunto de galáxias, este é apenas um entre inúmeros outros grupos de galáxias que existem, muitos deles situam-se a distâncias de milhares de milhões de anos-luz do nosso planeta.

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