5 de fev. de 2014

Entrevista com Cristovão Jacques, um dos descobridores do “cometa brasileiro”


Pela primeira vez, brasileiros descobriram um cometa a partir de observações feitas no país. O cometa foi visto pela primeira vez por Cristóvão Jacques, João Ribeiro e Eduardo Pimentel, astrônomos amadores de Minas Gerais. O estudante Victor Zanetti foi atrás e conseguiu uma entrevista com um dos descobridores, Cristovão Jacques.

Acompanhe a entrevista no áudio ou no texto abaixo.





Victor: O projeto "Astronomia no Vale do Aço" gostaria de parabenizá-los por essa grande descoberta. Entrevistamos agora um dos descobridores, Cristóvão Jacques. Poderia falar um pouco sobre sua trajetória pessoal? Onde nasceu, onde estudou, qual a sua profissão?

Cristóvão Jacques: Boa tarde. Meu nome é Cristóvão Jacques, nasci em Belo Horizonte, me formei em engenharia pela UFMG e depois fiz Física, também pela UFMG.
Trabalhei no setor privado durante 25 anos e desde 14 anos eu pertenço ao Centro de Estudos Astronômicos de Minas Gerais. Toda a experiência que tenho em astronomia foi basicamente aprendida no Centro de Estudos Astronômicos de Minas Gerais. Em 1999 através dos observatórios do centro na serra da Piedade, não confundir com o observatório que tem na serra da Piedade que é da UFMG. É o observatório Wykrota, começamos a observar asteroides e descobrimos dezesseis nesse observatório. A partir de 2004 nós implementamos um observatório controlado via internet aqui em Belo Horizonte dentro da casa do nosso colega Eduardo Pimentel e esse observatório ficou basicamente por conta de uma pesquisa que nós ainda estamos fazendo, que é a busca de supernovas. Já descobrimos 15 estrelas supernovas e, a partir de 2013, nós começamos em outro observatório outro projeto também controlado via internet. Foi implementado em Oliveira, fica a mais ou menos 150 Km de Belo Horizonte e cujo o objetivo é rastrear, vasculhar e patrulhar o céu do hemisfério sul em busca de asteroides ou cometas que possam passar perto da Terra.

Victor: Você disse que o seu interesse pela astronomia foi com 14 anos. Como você se tornou um astrônomo amador? O que te motivou a isso?

Cristóvão Jacques: Seria como eu falei com vocês, aos 14 anos, naquela época não tinha internet e a gente não tinha muitas informações. Lá do quintal da minha casa eu via a estrela 'Dalva', que na verdade é o planeta Vênus. Eu ficava muito intrigado com o brilho dele e o movimento que ele realizava. Decidi comprar um telescópio e decidi ver mais de perto aquela estrela que na verdade é um planeta e, para minha surpresa, eu vi que Vênus tem fases como a Lua. Então vi uma pequena 'luazinha' e não consegui entender o porquê daquela 'luazinha'. Então fui procurar entender o que eu estava vendo, daí comecei a comprar livros. Na época também era muito raro ter livros de astronomia em português. O meu primeiro não era em português, foi em espanhol e, assim que eu me tornei astrônomo amador, logo depois que comecei com a astronomia eu entrei para o Centro de Estudos Astronômicos de Minas Gerais no ano de 1976.

Victor: Qual a diferença entre um asteroide e um cometa?

Cristóvão Jacques: Um asteroide tem origem desde a formação do sistema solar, são pedras que ficam orbitando o Sol em vários tipos de órbitas. A maioria dos asteroides está localizada entre as órbitas de Marte e Júpiter e são pedras que podem ser conglomerados de outras pedras. Pode ser rochas também, podem ser ferrosas. Então tem vários tipos de formação de asteroides, e eles podem ser pequenos de 10 m e de 10.000 Km. A maioria fica localizada entre Marte e Júpiter. Atualmente existem mais de 500.000 asteroides que já foram descobertos e esse número tende a crescer mas não muito mais. O cometa é uma pedra de gás congelado, chamamos de pedra suja de gás congelado que tem vários tipos de órbitas. Nós temos cometas periódicos, aqueles do tipo cometa Halley que sempre passa por um determinado ponto de tempos em tempos. No caso do Halley são 76 anos, mas nós temos cometas periódicos como o cometa Encke que tem 4 anos de período, então eles sempre estão passando de tempos em tempos perto do Sol. Tem outros cometas que passam uma vez perto do Sol e nunca mais voltam, que são os não periódico, e cometas de mais longo períodos, mais de 200 anos. Esses cometas, ao chegar mais próximo ao Sol, esse gás congelado que está em seu núcleo se desprende devido ao calor do Sol e vira um gás que é um dos principais componentes da cauda do cometa. A cauda do cometa então pode ser gás, construído de gás ou poeira que é também expelida do núcleo do cometa através do vento solar. Então é essa a diferença entre um asteroide, que é uma pedra, e o cometa, que é uma pedra de gás congelado.

Victor: Agora eu vou fazer uma série de perguntas em relação ao seu trabalho. O cometa foi detectado por um telescópio no observatório Sonear, que acabou inspirando o nome do cometa. Poderia falar um pouco sobre esse observatório? Onde fica, o que ele faz?

Cristóvão Jacques: Este observatório fica localizado perto de Oliveira, que é uma cidade que fica a 150 Km de Belo Horizonte. A função dele é ficar patrulhando o céu em busca de objetos que possam passar perto da Terra, de tal maneira que a gente consiga ter uma ideia do futuro desses asteroides que forem detectados aqui no hemisfério Sul, se eles podem colidir com a Terra ou não. Então a função dele é esse. E o cometa, na verdade, não foi batizado de Sonear porque nós quisemos. Foi porque existe um regra da União Astronômica Internacional que diz que se, no caso ... Quando descobrimos o cometa ela parecia um asteroide, então a gente reportou ao órgão que analisa esse tipo de observação só uns dois dias depois que ele foi detectado como um cometa por um astrônomo italiano que o observou através de um telescópio muito maior que o nosso e conseguiu observar características “cometarias”. Então ele tem o nome de Sonear porque, na verdade, apesar de nós termos descoberto, na regra da União Astronômica Internacional, o observatório que descobriu é quem leva o nome do cometa. No caso, se nós tivéssemos detectado primeiro que era um cometa e aí sim reportado ao MPC, então possivelmente seria o sobrenome de um dos descobridores, no caso poderia ser: Jacques, no caso de Cristóvão Jacques, meu nome, poderia ser Ribeiro, no caso de João Ribeiro ou poderia ser Pimentel, no caso do Eduardo Pimentel. Então é por isso que ele chama Sonear, na verdade Sonear significa “Southern Observatory for Near Earth Asteroids Research” ou, em português, “Observatório Austral para Pesquisas de Asteroides Razantes da Terra”.

Observatório Sonear.

Telescópio que registrou a foto do cometa.


Victor: Como é, em linhas gerais, o processo que culmina com o descobrimento de um corpo celeste, como um cometa? Quais são as principais dificuldades de detecção de um asteroide ou cometa?

Cristóvão Jacques: Bem, primeiro nós buscamos asteroides e cometas em regiões em que geralmente aqui no hemisfério sul basicamente não tem nenhum programa de busca desse tipo de busca que a gente faz. A gente busca asteroide e cometas numa região do céu onde observatórios da região norte não conseguem visualizar, então fazemos esse complemento. A metodologia para descobrir um asteroide ou cometa é você fotografar a mesma região do céu três vezes e separadas por um intervalo de tempo, no nosso caso, nós demos 10 a 15 minutos de uma imagem para outra e assim o software consegue detectar se tem algum objeto se movendo nessa imagem. É um software específico para isso desenvolvido por brasileiros, então é essa a metodologia. Numa primeira olhada não dá para distinguir se é um cometa ou asteroide. O cometa, quando está mais longe do Sol, ele começa a ter uma, o que chamamos de “coma” gasosa envolta do núcleo, que às vezes não é fácil de detectar e às vezes parece um asteroide, foi o caso do nosso.

Sequência de fotos do cometa.


Victor: Cristovão, sobre a descoberta, existe algum detalhe peculiar que ocorreu nessa descoberta? Algum fator de sorte ou algo curioso?

Cristóvão Jacques: Essa questão de sorte é você estar no local certo e na hora certa, então na verdade nós planejamos vasculhar uma região do céu no dia, no inicio da noite estava nublado então o observatório ficou fechado durante duas horas. Depois que o tempo abriu de novo pelas 10h30min da noite nós começamos a observar de novo e um dos primeiros campos a ser observado foi justamente esse da descoberta. Então por pouco essa descoberta não poderia ter sido feita por causa das nuvens.

Victor: Como se classifica o cometa C/2014 A4 Sonear quanto a sua órbita, cauda e período? Já existem dados para isto?

Cristóvão Jacques: Atualmente é uma orbita parabólica, é de um cometa não periódico que vai passar uma vez pelo Sol e vai depois se perder pelo espaço. É um cometa que tem uma órbita muito inclinada e retrógrada, quer dizer que ele gira ao contrário dos objetos celestes do sistema solar, ele vai perto da Terra, se não me engano, em outubro de 2015, quando vai passar a 450 milhões de Km da Terra. Ele tem um periélio, que é a distância mais próxima do Sol, cerca de 600 milhões de Km, ou seja, ele vai passar entre as órbitas de Marte e Júpiter quando estiver no periélio. Então é assim, um cometa peculiar em termos por causa dessa inclinação e movimentação retrógrada que ele tem.

Victor: O SONEAR já detectou algum asteroide passando próximo à Terra? Se sim, quantos?

Cristóvão Jacques: Não, por que nós começamos o nosso programa de buscas de asteroides em dezembro de 2013. Então tem pouco tempo que ele começou a fazer operação e ainda nós não tivemos a oportunidade de descobrir um asteroide desse tipo.

Victor: No Brasil, o ensino e a divulgação científica de Astronomia depende fortemente do trabalho de grupos de astrônomos amadores. Poderia falar um pouco sobre esse quadro?

Cristóvão Jacques: Isso é muito evidente em 2009, quando houve um grande movimento para divulgar a astronomia, para divulgar observações ainda pertinentes em astronomia. A maior parte das atividades que foram feitas no ano de 2009 foram feitas por clubes, mais de 200 clubes de astronomia espalhados pelo Brasil e isso foi devido aos astrônomos amadores estarem atuando nesses clubes. Sem a atuação dos astrônomos amadores, essa divulgação não seria possível. Então nós tivemos uma meta em 2009 de atingir pelo menos 1 milhão de pessoas com observações e palestras e essa meta foi plenamente alcançada. Então é devido a esses amadores espalhados pelo Brasil em diversos clubes que conseguem penetrar e chamar a atenção do público para suas observações, cursos e palestras.

Victor: Além da sua importante descoberta, poderia falar um pouco sobre a importância do trabalho de astrônomos amadores para a pesquisa científica profissional?

Cristóvão Jacques: Hoje os astrônomos amadores dispõem de tecnologias que antigamente não era disponível e conseguem fazer uma pesquisa mais de ponta do que se conseguia a 20 anos atrás. Então, hoje o astrônomo amador tem em mão uma tecnologia que não tinha a um tempo atrás, e é cada vez mais difícil e mais caro obter tempo de pesquisas em telescópios profissionais de diversas universidades que fazem projetos em busca de dados para compor seus trabalhos, seus artigos, suas teses de mestrado ou doutorado e fica cada vez mais difícil você conseguir tempo e também o telescópio profissional, hoje é muito caro. Então, as vezes o pessoal recorre a astrônomos amadores para complementar ou obter dados. Vou citar um exemplo de um programa que eu participo que também é liderado por astrônomos do Observatório Nacional, que é um programa de ocultações de asteroides transnewtonianos. Nesse programa são vários astrônomos profissionais e amadores que, em conjunto, participam aqui na América Latina. Então quando existe uma previsão de uma ocultação de uma estrela por um asteroide transnewtoniano, ou seja, um asteroide que está bem distante, é feita uma campanha de observação, por que as vezes você não consegue prever exatamente onde vai ocorrer. Então tem que ter vários telescópios cobrindo o céu em diversas localidades para ver se pega essa ocultação. Então esse é o exemplo que te dou que existe uma colaboração entre o profissional e o amador, mas não é uma coisa muito comum aqui no Brasil.

Victor: Vou fazer uma pergunta que é de interesse de todo o grupo. Você teria alguma dica para um iniciante que tem interesse em começar a se aventurar na Astrofotografia? Equipamentos, softwares de imagem?

Cristóvão Jacques: Depende do tipo de astrofotografia que vocês querem fazer, eu recomendo começar bem com o básico, que é pegar uma câmera DSLR, ou seja, uma câmera digital, colocar uma lente de 50 mm, 100 mm de distância focal e começar a fazer fotografias do céu com câmera fixa e, através do software, vocês vão somando essas imagens e, depois, partir para telescópios montados em montagens equatoriais, mas não é uma coisa tão trivial de se fazer. Tem que começar por baixo com equipamento simples e depois vocês vão sofisticando, aumentando o tamanho da lente e também pensando que uma montagem equatorial é fundamental para fazer uma boa astrofotografia. Existem também plataformas equatoriais que também podem ser construídas, existem vários projetos ai na 'net', só digitar no Google plataforma equatorial, vocês vão achar alguns projetos que são simples de fazer e também, você colocando uma máquina fotográfica em cima da plataforma, também irá conseguir fazer fotos bem interessantes do céu.

Victor: Agora a ultima pergunta da nossa entrevista. No exato momento em que você soube da confirmação pela União Astronômica Internacional, qual foi o seu sentimento?

Cristóvão Jacques: É, na verdade nós já sabíamos que era um cometa e assim existia uma expectativa, porque as vezes você descobre um cometa e pode ser um cometa antigo que a muito tempo não é observado. Então foi uma grande felicidade para nós, nosso grupo, em um tempo tão curto ter descoberto um cometa. Nós começamos a operar em 18 de dezembro e no dia 12 de janeiro nós detectamos esse cometa. Ele foi anunciado pela União Astronômica Internacional, ou seja, em menos de um mês nós já tivemos uma descoberta assim tão relevante. Agora estamos continuando nosso trabalho e esperando continuar fazendo mais descobertas de cometas para o futuro.

Victor: A gente chegou ao fim de nossa entrevista. Quero agradecer e parabenizá-lo em nome do grupo “Astronomia no Vale do Aço” pelo seu trabalho e obrigado mais uma vez por ter nos dado essa entrevista. Agradeço mais uma vez em nome do grupo “Astronomia no vale do Aço” e do CEFET-MG.

Cristóvão Jacques: Eu agradeço o contato, é um prazer dar essa entrevista. Obrigado pelos cumprimentos e um abraço a todos do Vale do Aço.

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