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No séc. XVII, em 1613, Johannes Kepler (1571-1630) demonstrou que Jesus Cristo tinha nascido em 4 a.C., uma conclusão atualmente aceita. O argumento é que vários historiadores afirmavam que o rei Herodes, que faleceu depois do nascimento de Jesus Cristo, morreu no ano 42 do calendário Juliano, e não no ano 46 do calendário Juliano, como considerou o abade. Deste modo, o nascimento de Jesus Cristo ocorrera em 41 Juliano.
Decorrente disso, como dizer o ano de nascimento de Jesus Cristo?
1 - AEC ou a.C.?
ERA, segundo o Aurélio, é um “período geralmente longo, que principia com fato marcante ou que dá origem a uma nova ordem de coisas; uma época histórica.” Como se trata de um período longo na história, há um “ponto determinado no tempo, que se toma por base para a contagem dos anos”. Nós vivemos na Era Cristã, que teve início com o nascimento de Jesus Cristo. Assim, temos dois períodos: a.C. (antes de Cristo) e d.C. (depois de Cristo).
A ideia de Era Cristã nasceu cerca de 1.280 anos depois da fundação da cidade de Roma, quando o abade Dionysius Exiguus (c. 470-544) propôs que o tempo fosse contado a partir do nascimento de Jesus Cristo. Para tanto, pesquisou, calculou e estimou que Jesus Cristo nascera em 25 de dezembro de 754 AUC (da fundação da cidade de Roma), correspondente ao ano 46 do calendário Juliano. Designou, então, este ano como sendo o ano 1 da Era Cristã. Esse fato ocorreu no séc. VI, no ano 527 d.C.
No séc. XVII, em 1613, Johannes Kepler (1571-1630) demonstrou que Jesus Cristo tinha nascido em 4 a.C., uma conclusão atualmente aceita. O argumento é que vários historiadores afirmavam que o rei Herodes, que faleceu depois do nascimento de Jesus Cristo, morreu no ano 42 do calendário Juliano, e não no ano 46 do calendário Juliano, como considerou o abade. Deste modo, o nascimento de Jesus Cristo ocorrera em 41 Juliano.
Decorrente disso, como dizer o ano de nascimento de Jesus Cristo? 4 a.C.? Segundo o astrônomo Alexandre Cherman, há uma tendência no meio científico de trocar os termos a.C. e d.C. por AEC (antes da Era Comum) e EC (Era Comum). Assim, Jesus nasceu em 4 AEC e nós vivemos na Era Comum.
2 - Os egípcios e a estrela Sirius
Os egípcios lidam com calendários há mais de 6 milênios. Eles utilizavam o calendário lunar, com uns meses de 29 dias e outros de 30 dias, uma vez que a lunação se dá em 29,5 dias. Assim, o ano egípcio tinha 354 dias. Posteriormente, passaram a usar o ano de 360 dias, começando com as cheias do Rio Nilo. Mas, as enchentes do Nilo aconteciam cada ano em época diferente porque um ano trópico tem 365,242199 dias. As cheias do Nilo, então, sempre atrasavam um pouco mais de 5 dias por ano, chegando a 21 dias a cada 4 anos.
Mas, os egípcios observaram que a estrela Sirius era uma boa indicação do início das cheias do Nilo. Quando ela nascia, de manhãzinha, quase junto com o Sol, era a época das inundações, que regavam o terreno, favorecendo o futuro plantio. E observando dois nascimentos helíacos de Sirius deduziram que o ano deveria ter 365 dias e não 360. Assim, acrescentaram 5 dias no calendário. Mas, ainda havia uma diferença de cerca de 6 horas por ano, que eles não sabiam, e isso somado ano a ano perfazia 1 dia a cada 4 anos. Descoberta essa diferença, concluíram que a duração do ano era de 365,25 dias. No ano de 238 AEC, o faraó Ptolomeu III ordenou o acréscimo de 1 dia no calendário a cada 4 anos e o problema foi contornado.
3 – O Calendário Juliano
O astrônomo egípcio Sosígenes de Alexandria (90 AEC - ? AEC) sabia que o ano tinha 365,25 dias, porque era adotado no calendário do Egito.
Em 46 AEC, o imperador de Roma, Júlio César (100 AEC – 44 AEC), que havia tomado conhecimento do calendário egípcio, do qual ficara admirador, encarregou Sosígenes de reformar o calendário romano. Sosígenes aconselhou Júlio César a fazer um calendário com 365 dias e mais 1 dia a cada 4 anos, como era no Egito. Júlio César, então, mandou distribuir os dias aos meses do ano, que ficou com os 365 dias sugeridos por Sosígenes, e acrescentar 1 dia no mês de Fevereiro, quando o ano tivesse que ter 366 dias, já que esse era o último mês do ano. Esse dia acrescido entrava no meio do mês de fevereiro, depois do dia 23, que era o VI antediem calendas martii (sexto dia que antecedia março). Nesse caso, criava-se um segundo “VI antediem calendas martii”, ou um bis sextum. Estava criado o ano bissexto e o Calendário Juliano e a data do equinócio foi fixado em 25 de março, ou seja, todo 25 de março, pelo calendário, deveria ocorrer a entrada da primavera (no hemisfério norte).
4 – O imperador Constantino e o Concílio de Niceia
Como a Igreja cristã era contrária ao judaísmo e renegava os deuses do Olimpo, o Estado romano tinha os cristãos como pagãos e os perseguiam e matavam sem piedade. Quando o imperador romano Constantino I [Gaius Flavius Valerius Aurelius Constantinus (c.280-337)] se converteu ao cristianismo a paz começou a reinar para os cristãos. Ele promoveu a tolerância religiosa em todo o Império Romano.
Em 325 EC, convocou a Igreja a fazer o seu primeiro concílio oficial da história, que ficou conhecido como o Concílio de Niceia (atualmente Iznik, Turquia) se comprometendo a fazer cumprir os dogmas daí surgidos.
O Concílio de Niceia é a ligação entre a Astronomia e a regulação da vida civil pelo calendário. Foi nesse concílio que a Igreja fixou a data da Páscoa, a celebração mais importante para os cristãos, pois representa a ressurreição de Jesus Cristo, o que prova sua divindade e que alimenta a fé cristã.
I Concílio de Nicéia. Créditos: http://www.oarquivo.com.br/ |
Desde então, por determinação do concílio, a data da Páscoa foi celebrada sempre no primeiro domingo depois da primeira Lua cheia após o equinócio vernal (no hemisfério norte, que marca o início da primavera no norte e do outono no sul). Mas, esse dia foi definido no calendário judaico, pois Jesus Cristo viveu na Palestina, que utilizava tal calendário, e é preciso converter a data de um calendário para outro. É por isso que a data da Páscoa altera tanto no nosso calendário.
Assim sendo, os bispos da Igreja deveriam observar rigorosamente a ocorrência do equinócio, a chegada da primavera no hemisfério norte. É aí que a Astronomia se tornou imprescindível para a elaboração de um calendário preciso.
5 – A data do equinócio vernal
Como o ano Solar tem (hoje sabemos) 365,242199 dias, esse é o intervalo de tempo entre um equinócio vernal e o seu subsequente, o que, por convenção, define o ano Trópico.
Equinócio. Créditos: http://www.uranometrianova.pro.br/astronomia/AA003/equioutono.htm |
Na época do Concílio de Niceia já se sabia de uma pequena imprecisão do calendário Juliano, porque a data da primavera fixada por Júlio César em 25 de março já estava ocorrendo em 21 de março. Ou seja, havia uma diferença na contagem dos dias. O ano Juliano não media corretamente o ano Trópico. Então, houve a refixação da data do equinócio para 21 de março nos anos de 365 dias e para 20 de março nos anos bissextos. Mas a diferençazinha continuou (a primavera chegava antes, cerca de 12 minutos por ano). E seguiu-se a história!
Ao longo dos anos várias tentativas de reformular o calendário foram feitas, todas sem sucesso, pelos mais diversos motivos: risco de heresia, falecimento de papa, mudanças de cenário, mais de um papa ao mesmo tempo, etc... mas, havia o conhecimento da necessidade desse acerto para que o calendário representasse corretamente o ciclo das estações, que sempre foi importante para a civilização.
6 – O calendário gregoriano – o nosso calendário
Em 1582, enfim, uma tentativa deu certo. No Concílio de Trento, que durou de 1545 a 1563, uma das resoluções foi o compromisso de reformular o calendário Juliano, corrigindo os 10 dias de desvio que já estava ocorrendo e criar um mecanismo para medir o ano com mais precisão. Com isso, a Igreja católica abriu a discussão entre os estudiosos.
Concílio de Trento. Créditos: http://caicrgcrenascimentocultural.blogspot.com/ |
Um médico italiano, Luigi Lilio, interessou-se pelo assunto e sugeriu uma solução interessante: suprimir os 10 dias para que o equinócio voltasse a ocorrer em 21 de março e suprimir 3 anos bissextos a cada período de 400 anos. Mas, Luigi morreu antes que sua sugestão chegasse ao papa. Seu irmão, Antônio Lilio, em algum momento posterior ao falecimento de Luigi, fez com que suas ideias chegassem ao papa Gregório XIII, que se interessou pela ideia e logo tratou de publicar uma bula papal versando sobre o assunto.
Essa bula papal foi batizada de “Inter Gravissimas” e tratava principalmente da criação do Calendarivm Gregorianvm Perpetvvm.
Após engrandecer o trabalho de Luigi, a bula prescreve:
“Então, para que o equinócio vernal, afixado por nossos pais no primeiro Concílio de Niceia em XII calendas de abril, volte a esta data, nós prescrevemos e ordenamos que seja removido, em outubro de 1582, dez dias que vão do dia três antes dos nonos até o dia antes dos idos, inclusive.
...
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Então, para que o equinócio se mantenha em XII calendas de abril no futuro, nós estabelecemos que a cada quatro anos se faça um ano bissexto, com a exceção dos anos centenários, que até agora sempre foram bissextos; afirmamos que o ano de 1600 permanecerá bissexto; depois disso, no entanto, os anos centenários não serão todos bissextos, mas só a cada 400 anos; os três primeiros anos centenários não serão bissextos e o quarto ano centenário o será, de modo que os anos 1700, 1800 e 1900 não serão bissextos. Certamente o ano 2000, como é nosso costume, terá uma intercalação bissexta, fevereiro terá 29 dias, e a mesma regra intermitente para as intercalações bissextas para cada período de 400 anos será preservada de maneira perpétua.” (Extraído de O Tempo que o Tempo Tem de Alexandre Cherman e Fernando Vieira.)
Com esse novo calendário e sua forma de medir o tempo o ano gregoriano passou a ter 365,2425 dias:
365*400+4004-3 dias=146097 dias em 400 anos=365,2425 dias/ano
Sabemos hoje que essa precisão é insuficiente, pois ainda persiste uma diferença ínfima, de cerca de 26 segundos por ano, ou seja, o ponto vernal ocorre cerca de 26 segundos antes que o calendário prevê. No futuro isso precisará de solução, pois em pouco mais de 3.000 anos a diferença será de 1 dia! Segundo os astrônomos Alexandre Cherman e Fernando Vieira, já existe uma ideia de tornar o ano 4000 não bissexto e assim corrigir essa defasagem.
7 - A implantação do novo calendário
Apesar do calendário gregoriano ser praticamente o calendário da Terra no mundo atual, ele não foi aceito imediatamente no mundo do séc. XVI. Os países católicos aderiram imediatamente ao novo calendário, como a Polônia, a Espanha, parte da Itália e Portugal, de cujo país o Brasil era colônia e, por conseguinte, aderiu junto. A França aderiu em dezembro de 1582, suprimindo os dias de 10 a 19. A Holanda também aderiu em dezembro de 1582. Alemanha e Áustria mudaram em 1584 e a Hungria em 1587.
A Dinamarca e a Noruega suprimiram o restante de fevereiro de 1700, após o dia 18. A Inglaterra mudou seu calendário somente em 1752, suprimindo 11 dias, porque o ano de 1700 foi bissexto no calendário Juliano. De 2 de setembro de 1752 seguiu-se o dia 14. A Suécia adotou-o definitivamente em 1753, após uma tentativa frustrada anteriormente, suprimindo 11 dias em fevereiro após o dia 17.
Apesar dessas mudanças, muitos países ainda mantêm, paralelamente, os seus calendários tradicionais.
Bibliografia
BOCZKO, Roberto. Conceitos de Astronomia. São Paulo: Editora Edgar Blücher, 1984.
CHERMAN, Alexandre; VIEIRA, Fernando. O Tempo Que o Tempo Tem. Rio de Janeiro RJ: Editora Jorge Zahar, 2008.
OLIVEIRA FILHO, Kepler de Souza; SARAIVA, Maria de Fátima Oliveira. Astronomia e Astrofísica. Disponível em: . Acesso em 22 fev. 2011.
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